Países dos leitores

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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

D'AQUÉM E D'ALÉM MAR

Devido às semelhanças que existem entre este texto publicado em Moçambique e qualquer outro texto que pudesse ser publicado em Portugal, quero deixá-lo aqui registado para esclarecimento dos leitores mais jovens.

"A ciência de Deus

Ao fim destes anos todos, eu já devia estar vacinado contra este tipo de coisas, mas a verdade é que verifico que não estou.
E, de vez em quando, apanho com um murro no estômago.
O último foi quando vi, num dos nossos jornais, a foto do antigo Presidente Joaquim Chissano a receber as insígnias de Doutor, Honoris Causa, em Teologia, pela Universidade Latina de Teologia.
O leitor mais jovem vai ficar admirado com esta minha introdução. Vai perguntar por que razão me incomoda que aquele antigo dirigente tenha sido doutorado em Teologia.
Mas isto é porque os meus leitores mais jovens não viveram o período, logo a seguir à Independência nacional, em que todos os nossos dirigentes se declaravam materialistas, marxistas-leninistas.
E nessa posição ideológica Deus tinha pouco espaço, se é que tinha algum.
Recordo-me de que Samora dizia que, nas nossas forças armadas, só queria oficiais que fossem
comunistas convictos.
E não me recordo de ouvir nenhum dos seus camaradas recusar postos nessas mesmas forças armadas alegando as suas convicções religiosas. Pelo contrário, todos exibiam com garbo as suas fardas de oficiais superiores, e até oficiais generais, nesse tal exército de comunistas.
O Mundo deu as voltas que deu e a grande maioria dos tais comunistas são hoje prósperos empresários capitalistas.
Alguns foram achando que os seus casamentos revolucionários não tinham o mesmo peso que outros mais tradicionais e, discretamente, lá foram até à capela mais próxima para santificar relações já com dezenas de anos, com filhos e netos já nascidos e crescidos.
Agora sabemos que um desses dirigentes, do mais alto nível da hierarquia da época, que nos pregava a via do materialismo dialéctico para a felicidade na terra, dado que depois da morte nada mais existia, aceitou ser doutorado em Teologia, a Ciência de Deus.
E parece-me que isso é levar as coisas longe demais.
Ou Joaquim Chissano nunca foi materialista, nem marxista-leninista nem coisa parecida com isso e andou durante aqueles anos todos a fazer um enorme teatro para nos enganar a todos, a começar pelo seu chefe Samora, ou, passados uns anos, um anjo deve ter descido de uma qualquer nuvem, tocando harpa ou trombeta, para o banhar de uma luz celestial, retirando-o das trevas pecaminosas do materialismo para o fazer encontrar o caminho da verdadeira fé.
Eu, que continuo materialista e ateu, vou mais pela primeira hipótese, a do teatro. Vou mais pela incapacidade de revelar as suas verdadeiras crenças, com medo de perder as benesses do poder revolucionário da época.
E nisso não esteve sozinho, muito longe disso. A dizer a verdade só recordo o exemplo do embaixador Chafurdine Khan que nunca abdicou das suas crenças religiosas e, por isso, não teve a carreira que poderia ter tido.
Temos, portanto, a partir de agora, Joaquim Chissano a juntar-se à lista dos doutores da igreja católica. A juntar-se a S.Tomás de Aquino, ao Papa Leão I, a Santa Anastácia ou a Sto. António de Lisboa e a tantos outros.
E, se não nos pomos a pau, ainda acaba canonizado, para mal dos nossos pecados.
A única vantagem era que, à semelhança das grandes festas a Sto. António, que se fazem no popular bairro de Alfama, em Lisboa, com sardinhas, caldo verde e muito vinho, talvez passássemos a ter também as festas de Sto. Alberto Chissano, ali no Alto Maé, com matapa e sumo de caju.
Mas, falando a sério: Ninguém tem nada a ver com as crenças religiosas de cada um. É assunto pessoal, do seu foro íntimo.
Agora o que foi errado, muitíssimo errado, foi terem andado a fingir que eram coisas que não eram e terem andado a impingir-nos ideias que, lá bem no fundo, muitos nem sequer compartilhavam.
Em resumo, o mal foi terem andado a mentir-nos, da forma como andaram, durante tantos anos.

Machado da Graça

in SAVANA

sábado, 22 de novembro de 2008

...a vida passa num instante/ e um instante é muito pouco para sonhar."

Os dias são povoados
Pela raiva de sentir
Que não és livre de ti
Porque te aprisionaste
E recusaste o porvir
E, agora só me resta
fugir eu de mim também.
Fugir incessantemente
E tornar-me degredado
Recusar este fado
que me estava destinado.

Quisera eu aprisionar-te
sem nunca te poder ter.
Ao ter-te, não te teria.
como não te tenho agora,
nem nunca terei um dia.

Não és livre de sentir.
E apenas nos unimos
Na desunião,
que nos completa.
Apenas nos encontramos
no espaço
Entre dois silêncios.
O teu e o meu,
E calados
Desejamos
Nunca ter sido assim.

Maria João Nunes
in «http://aarrobadaspalavras.blogspot.com»

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

DECASSÍLABOS COM OS NONATOS


1. Não existe governo que controle
Os cabeças do crime organizado
O governo cedeu nao sei porque
Aos direitos humanos o direito
Imoral é a falta de respeito
No que pede os chefões do PCC
Uma cela com freezer e com tv
E ambiente com ar refrigerado
No almoço um cardápio variado
De escargot, caviar e rocambole
Não existe um governo que controle
Os cabeças do crime organizado
(Raimundo Nonato)

2. O Brasil dos anões do orçamento
É o mesmo que paga o mensalão

No país um escândalo à tona veio
Provocou demissões, causou renuncias
Numa guerra com bombas de denuncias
Que o comando petista está no meio
Estatais com esquema de rateio
Diretor acusado de estorção
E em Brasília se for matar ladrão
Só escapa um ou dois do parlamento
O Brasil dos anões do orçamento
É o mesmo que paga o mensalão
(Nonato Costa)

3. Deputados por mês querem cem mil
E dão trezentos e oitenta a quem trabalha

Na proposta eles pedem cem porcento
De salário dos cofres executivo
Imagine o poder legislativo
Ter direito em votar seu próprio aumento
Dos larápios que estão no parlamento
Um conversa abobrinha outro gargalha
A justiça é corrupta, cega e falha
E eleitor um cordeiro no covil
Deputados por mês querem cem mil
E dão trezentos e oitenta a quem trabalha
(Nonato Costa)


Fonte: «culturanordestina.blogspot.com»

domingo, 16 de novembro de 2008

Saudades do futuro




Saudades do futuro

Um futuro que nunca terei
Um passado que não existe
Memória que não queria
Pensar
Sequer sentir
Porque não sou presente
Apenas ponte
Entre o ontem e o amanhã
E porque o amanhã
Não existe
Caminho não sei para onde
E o caminhar faz-se
No entanto
De pequenos nadas
Que são parte de um tudo
Que não sei onde começa
Que não sei onde acaba
Apenas saudades
De um futuro
Já perdido à partida

Maria João Nunes

E SE OBAMA FOSSE AFRICANO ?

Há tempos um amigo perguntou-me qual a utilidade dos blogues. Neste clarividente texto encontra-se a resposta.

"Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África. Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos. Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo. Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto. E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana? 1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular. 2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia. 3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor. 4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?). 5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos. 6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores. Inconclusivas conclusões Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte. Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos. A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa. Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público. No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo. Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia."

Jornal "SAVANA" – 14 de Novembro de 2008
Publicada por Ana Margarida Esteves no blogue "Nova Águia"

sábado, 15 de novembro de 2008

O NÚCLEO DO PORTO da Liga dos Combatentes

( continuação )

No texto publicado em 6 do corrente fazia-se referência ao magnífico edifício onde o Núcleo do Porto da Liga dos Combatentes está instalado. É um edifício cuja fachada principal é quase todo de cantaria de granito que hoje não mostra as barbaridades que ao longo dos anos lhe foram feitas.




quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O MASSACRE DE SANTA CRUZ

No dia 12 de Novembro de 1991,precisamente há 17 anos,deu-se o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Díli.
Recordar, transcrevendo o relato dessa atrocidade cometida contra o reduto da Lusofonia no Extremo-Oriente, é o mínimo que nós, lusófonos, podemos fazer.
“ À chegada às portas do cemitério... alguns dos manifestantes subiram para cima do muro, exibiram os cartazes aos jornalistas e depois ficaram ali todos, quase sem saber o que fazer.
... Um camião do exército apareceu ao fundo da rua... Do interior começaram a saltar soldados vestidos de verde e com tiras vermelhas no capacete.
... Do lado direito apareceram mais soldados, estes com uniformes castanho-escuros e com as M16 em posição de fogo.
... Começaram as rajadas cerradas. Os timorenses das primeiras filas tombaram logo ali, os outros voltaram as costas num pânico de fuga e começaram igualmente a cair.
...Os corpos rolavam na rua... As armas calaram-se ao fim de um bom bocado...
No ar ergeu-se o coro da multidão refugiada no cemitério, a rezar Avé Maria em português."

In: “A Ilha das Trevas” de José Rodrigues dos Santos

quinta-feira, 6 de novembro de 2008


NÚCLEO DO PORTO
DA
LIGA DOS COMBATENTES


O Núcleo do Porto da Liga dos Combatentes está instalado num magnífico edifício mandado construir, nos começos da segunda metade do Século XIX, pelo 1º Visconde de Pereira Machado para sua residência.
Situado no ângulo sudoeste das Ruas Formosa e da Alegria , é uma construção grandiosa que marcou uma época de desenvolvimento económico da cidade do Porto.
A fachada principal, quase toda de cantaria de granito e encimada por um frontão com o brasão dos Pereira Machado, denota uma harmonia e equilibrio arquitectónicos notáveis. Aparentando, pela fachada principal, possuir apenas dois pisos, na realidade é composto por três pisos.
A entrada de honra é feita pela Rua Formosa, através dum átrio com aspecto austero mas muito harmonioso

Originariamente, no piso térreo situavam-se os serviços do “palácio”, com cozinha, sala de refeições, economato e salas que se presume terem sido destinadas a alojamento de hóspedes da família.
O acesso ao 2º piso é feito por uma escadaria de granito, cuja galeria é considerada, pelo extraordinário trabalho decorativo em gesso, a mais importante da cidade do Porto.


No 2º piso situava-se o andar nobre, com salas cujos tectos artisticamente trabalhados em gesso, apresentam, ainda hoje depois de recuperados, motivos de caça, de música, etc. De entre todas, destaca-se o “salão nobre”, hoje sala principal do Museu.

No 3º piso situavam-se os aposentos da família e uma pequena capela ou oratório.
Fazendo parte da propriedade, no terreno anexo ( hoje silo-auto e supermercado ) existiam as cavalariças, cocheiras e picadeiro.